Excertos do livro "Sonderkommando":
Béatrice Prasquier (jornalista) - O que acontecia, nos fornos crematórios de Auschwitz, às cinzas depois de os corpos serem queimados?
Shlomo Venezia (sobrevivente de Auschwitz)- As cinzas deviam ser eliminadas para não deixar nenhum vestígio. Na verdade, quer nos fornos quer nas valas comuns alguns ossos, como os da bacia, queimavam mal. Era por isso que os ossos mais largos deviam ser retirados e esmigalhados separadamente, antes de serem misturados com as cinzas. Estas, uma vez trituradas, eram transportadas numa pequena carroça. Um camião vinha recolhê-las regularmente para que fossem deitadas ao rio. Cheguei a substituir um dos homens responsáveis por triturarem as cinzas. Isso permitia-me apanhar um pouco de ar e sair da atmosfera sufocante e fétida do Crematório.
Béatrice Prasquier - O que via e o que é que acontecia quando os deportados chegavam às câmaras de gás?
Shlomo Venezia - A morte das pessoas que iam para a câmara de gás era tudo menos uma morte pacífica. É de tal modo violento e triste que tenho dificuldade em falar destas visões da câmara de gás. Podíamos encontrar pessoas com olhos saídos das órbitas devido ao esforço feito pelo organismo. Outras com sangue por todo o lado ou sujas pelos seus próprios excrementos. Todas pessoas agonizavam e sofriam terrivelmente na câmara. Não se pense que o gás era lançado e morriam automaticamente. Era um processo que podia demorar mais de dez minutos, nos quais as pessoas procuravam desesperadamente um pouco de ar - homens, mulheres e crianças. Um processo de carnificina de tipo industrial que matou milhões de pessoas. Na minha opinião, não posso garantir, mas penso que muitas pessoas morriam mesmo antes de o gás ser lançado. Estavam de tal modo apertadas umas contra as outras e em pânico, que os mais pequenos, os mais débeis, sufocavam.
A imagem que víamos ao abrir a porta depois da chacina era atroz, não dá para imaginar o que aquilo era. Pensávamos que era impossível alguém sobreviver ao gás mortífero, mas um dia, ao abrir a porta da câmara, encontrámos um bebé vivo! Sobreviveu porque estava a agarrado ao peito da mãe no momento do lançamento do gás, e o efeito de sucção permitiu-lhe não inalar o veneno. Não é preciso dizer que um oficial SS, assim que viu o bebé a chorar, sacou da pistola e matou-o, a sangue frio, com um tiro na nuca. Nos primeiros dias, apesar da fome que me atormentava, tinha dificuldade em tocar no bocado de pão que recebíamos. O odor persistia nas mãos, sentia-me sujo com a morte. Com o tempo, tive de me habituar a tudo, como instinto de sobrevivência. Tornei-me num autómato sem capacidade de raciocinar.